sábado, 7 de novembro de 2009

há relação entre blogues e socialismo? (se calhar há, mas não pelas razões que pensa ;-) )

Confesso que nunca fui um entusiasta das novas tecnologias. Recorro a elas, uso-as, tiro delas algum proveito. Utilizo-as no meu trabalho. Também na sala de aula, até com frequência, ao contrário do que este texto poderá dar a entender. Mas só isso. Nunca vi nelas o Santo Graal da humanidade e estão longe de me deixar extasiado, por muito benéficas, úteis ou revolucionárias que sejam. E são-no, claramente. No fundo, deve tratar-se de algo visceral, intrínseco em mim. Novas tecnologias sim, mas…

Como explicar?!
Se por um lado podem ser excelentes auxiliares de trabalho e facilitar em muito a nossa existência a todos os níveis, por outro encaro-as com uma certa reserva, até porque as considero – com as suas playstations, i-phones, telemóveis, messengers, Hi5 e afins – responsáveis pelo abandono a que as nossas gerações mais jovens votaram outros prazeres tão fundamentais como a leitura, as histórias, ou mesmo o simples jogo da bola ou da apanhada. E como lhes fazem falta!

Bota-de-elástico?? Talvez, que seja!

Acredito que a maioria dos nossos alunos está tão inebriada, tão intoxicada com as novas tecnologias de difusão e de comunicação que, na realidade, seria até desejável manter um espaço de acção que pudesse ser relativamente “livre” delas.

Não sei se será defeito essencialmente meu (admito que seja) mas aflige-me até à medula verificar que parecem ser incapazes de realizar um trabalho de pesquisa sem recorrer ao Google; que nunca consultaram outra Enciclopédia que não a Wikipédia; que todos os trabalhos de pesquisa que lhes solicitamos acabam por ser iguais, porque todos são decalcados directamente das três ou quatro primeiras entradas que o Google disponibiliza sobre o assunto; que muitas vezes não procuram sequer seleccionar ou trabalhar a informação que recolhem, limitando-se a imprimir os textos sem tão pouco retirarem as indicações do site, género “Web page 1 of 3”…

Enfim, creio que a internet, neste campo, veio, em conjunto com outros factores, instilar um certo laxismo entre a nossa miudagem que me preocupa. Deveras!
À excepção dos manuais escolares, o manuseamento e a leitura de livros, dicionários, gramáticas e enciclopédias deixou de fazer parte dos hábitos da esmagadora maioria dos nossos jovens. Nas Bibliotecas Escolares são essencialmente os computadores que são procurados. Uma tristeza.

Mas o facto inegável é que vivemos numa sociedade onde a manipulação e a utilização de informação em suporte digital online é não só um hábito, mas uma realidade incontornável. Seja via PSPs, telemóveis de última geração ou ipods, os jovens estão em permanente contacto com um mundo profundamente tecnológico e, como tal, não faz obviamente sentido manter as novas tecnologias afastadas do processo de ensino-aprendizagem, sob pena de este vir a alienar ainda mais o público-alvo, que é naturalmente a última coisa que queremos enquanto educadores.

Quanto ao género de consequências que daí advirão… o tempo o dirá.
Mas lá que o potencial de aprendizagem que estas novas tecnologias permitem é maior que nunca… isso é! Definitivamente.

Sendo assim, o que fazer então? Trata-se de, como em tantas outras áreas da existência, encontrar um ponto de equilíbrio saudável. Numa frase, há que usar as novas tecnologias, mas fazendo-o bem. Com equilíbrio, com bom senso.
Penso que já dei conta de que não sou particularmente favorável a uma utilização massiva das novas tecnologias no ensino apenas “porque sim”, porque é “hype”, “trendy”, “cool” ou porque os alunos gostam. Sou sim pela utilização de meios, estratégias e recursos que permitam quer a professores quer a alunos desenvolver o seu potencial e as suas capacidades aos mais diversos níveis, o que implica a utilização quer de meios tradicionais (sim, os livros!! Sim as enciclopédias!! Sim o estudo, e o sublinhado e os tópicos e os esquemas e a tabuada e a memorização e as datas e as capitais e tudo isso que tem sido renegado e menosprezado a favor de uma didáctica “moderna” e “virada para o aluno”) quer, então, dos meios tecnológicos, cujo enorme potencial para o ensino-aprendizagem, aliás, reconheço e já sublinhei.

Será a utilização de blogues útil nesta perspectiva?
Acredito francamente que sim, embora também creia que tal não é aplicável em todas as situações, nem em todos os grupos de alunos, nem em todos os níveis de ensino. Todavia o potencial do blogue na construção do processo de ensino-aprendizagem é apreciável, sobretudo pela perspectiva de trabalho colaborativo que envolve. A interacção que permite não só entre professor e alunos, mas também entre professor, alunos, pais, comunidade escolar e, em última análise, a comunidade alargada de aprendentes um pouco por todo o mundo não é despicienda. O potencial comunicativo é vasto e o capital de confiança e de entusiasmo que pode suscitar num aluno que publica e vê os seus pensamentos, opiniões e trabalhos apreciados, valorizados e comentados é de um valor incalculável. Já nem falo nas vantagens organizativas que proporciona ao trabalho do professor, permitindo o contacto com pais, alunos e colegas, o posting de informação, de listas de leitura ou de vocabulário, de TPC e de links de interesse relacionados com os conteúdos abordados nas aulas. Favorece ainda o fortalecimento da relação pedagógica entre professor e aluno estabelecendo uma via aberta para feedback, comentários, dúvidas e esclarecimentos, favorecendo o verdadeiro ensino individualizado e de proximidade. Possibilita ainda a utilização de meios multimédia, ou inclusivamente a reorientação e redefinição de metodologias e de actividades de ensino em função do feedback recebido pelos alunos. São todas excelentes qualidades.

Valorizo portanto o blogue como um espaço de reflexão e de construção conjunta de aprendizagens. Tem um potencial enorme para fomentar a partilha de opiniões, de ideias, de visões e de experiências entre uma comunidade alargada, através do feedback proporcionado pelos comentários. Faculta a criação de autênticas comunidades de aprendentes e, se devidamente aproveitado, pode tornar o blogging um processo de construção de aprendizagens altamente crítico e reflexivo e, logo, eficiente e desejável.

Por último, aquela que, na minha opinião, pode tornar-se a mais-valia da utilização do blogue no processo educativo: o blogue permite ao aluno publicar as suas ideias, submetê-las à apreciação dos seus pares e discuti-las, argumentar, reflectir. A multiplicidade de visões e de ideias e de opiniões oferece não só numerosas oportunidades para reflectir e, consequentemente, aprender, como têm o mérito de tornar o aluno numa parte activa no processo de ensino-aprendizagem. O aluno, ao publicar, comentar, reler, responder, reflectir, rebater, criticar, passa de uma situação em que muitas vezes se coloca (ou é colocado) numa posição periférica, quase exterior ao processo, para o seu centro, com os ganhos motivacionais inerentes. É preciso é que o faça! A questão é: fa-lo-á?

Em vários textos diferentes li que mais do que uma ferramenta, o blogue é uma experiência de aprendizagem. Será, sem dúvida. Talvez até seja um modo de estar no processo de ensino-aprendizagem mais adequado e mais adaptado a uma sociedade globalizada e tecnologicamente evoluída.
Porém, lá está, tal só acontece se todos os participantes do processo fizerem dele um uso adequado. Idealmente, isso aconteceria e, nesse caso, teríamos uma comunidade de aprendentes motivada, colaborativa, crítica, participativa, intelectualmente curiosos e dinâmicos, todos interagindo no sentido de se tornarem aprendentes não só eficientes como altamente autónomos num processo de aprendizagem auto-regulado e assente na reflexão individual ou em grupo. Isso, por sua vez, implicaria pesquisa regular, leituras frequentes, capacidades de escrita (e vontade de o fazer) as quais, ipso facto, muitas vezes não existem nos nossos alunos.
Podem ser estimuladas? Pois podem com certeza.
Seria bom se tudo pudesse correr tão bem como acabei de escrever no parágrafo anterior? Mais do que bom, seria maravilhoso! Assim como seria maravilhoso se o socialismo utópico desenvolvido no século XIX fosse exequível.

Talvez um dia venhamos a atingir um estádio de desenvolvimento que torne tudo isto possível. Até que isso aconteça, cabe-nos ir fazendo pela vida, procurando caminhar na direcção certa. Um passo de cada vez, mesmo que a direcção certa acabe por levar-nos para fora da nossa “comfort zone”.

10 comentários:

  1. Olá Pedro! Dos três blogs que "devemos" comentar, um dos escolhidos foi o teu post, porque acabei de lê-lo e identifico-me bastante com o que tu escreveste. Também sinto que estas novas tecnologias podem altamente produtivas, mas, tal como tu, sinto que há muita "coisa" deixada para trás. Os livros...(em formato papel)...
    A dúvida permanece...será que este é o presente, o futuro e o caminho e nós é que estamos relutantes em acompanhá-lo plenamente?!...

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  2. Oi Pedro! Antes de mais devo dizer que gostei da forma directa e frontal como abordou a questão.
    Eu também subscrevo (em parte), a sua visão do assunto. Os blogues têm potencialidades a muitos níveis mas, alto lá, não são panaceia para todos os males da aprendizagem das línguas, nem vêm ocupar um lugar deixado vago nas metodológias do ensino. Terão certamente o seu lugar no sofá e a nós só nos cabe sentar ao lado e "enjoy the show".

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  3. Oi Pedro.
    Também suscrevo (em parte), a sua visão do assunto. Os blogues têm potencialidades mas, alto lá,não são panaceia para todos os males da aprendizagem das línguas, nem vêm ocupar um lugar deixado vago pelas metodologias.
    A nós, no fundo, só nos é dito para "catch up with the world!"

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  4. Pedro,
    Já comentei três posts de outros colegas, mas mais uma vez me encontro aqui no teu blogue para comentar um post teu... Gosto imenso da maneira como escreves, como dizes o que te vai na alma, e do teu sentido de humor. :)
    Apesar de não ter dúvidas que o blogue é um instrumento de aprendizagem valioso para o ensino das línguas estrangeiras, não posso deixar de concordar contigo no que respeita à utilização excessiva das novas tecnologias por parte dos nossos alunos em detrimento dos livros, manuais, enciclopédias... no outro dia perguntava aos meus alunos se tinham hábitos de leitura... numa turma de 15 apenas dois disseram que sim! mas se perguntares quem consulta todos os dias o seu mail, o youtube, messenger, ou facebook, claro que todos dizem que sim!... o problema é que hoje em dia os jovens vivem tudo muito intensamente, como se não houvesse amanhã.
    e o cheirinho dos livros, e o mundo imaginário, e as emoções...!!
    mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

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  5. Olá Pedro,
    A relação que estabelece entre os blogues e o socialismo, no título do seu post, despertou de imediato a minha atenção e levou-me a iniciar a leitura. Creio que as suas inquietações são partilhadas por todos aqueles educadores que, dotados de algum espírito crítico, não se deixam extasiar por completo pelas maravilhosas novas tecnologias. Elas constituem uma torrente presentemente impossível de deter, e é um facto indiscutível que nos facilitam a vida, que nos permitem chegar mais além em tempo record, que têm incontáveis potencialidades, que nos dão a oportunidade de tornar o nosso trabalho mais motivante e diversificado.
    Não tendo uma aversão tão visceral a estas “invenções do Demo”, partilho a sua apreensão em relação à presente utilização e futuras consequências. Como em tudo, penso que a resposta pode estar num equilíbrio entre o real e o ideal. Tudo o que podemos fazer é tentar levar os alunos a escrever e reflectir sobre assuntos diversos, desenvolvendo o seu espírito crítico, levando-os a sair da sua passividade enquanto praticam e melhoram os seus conhecimentos da língua inglesa. Não vamos, certamente, ser bem sucedidos com todos eles, acredito, no entanto, que com alguns alunos individualmente e alguns grupos é possível conseguir uma experiência bastante interessante e enriquecedora para ambas as partes.

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  6. Meu caro Petrovitch!
    Gostei muito do teu "post". No passado mês de Agosto, no Porto, uma amiga minha disse-me, em tom de brincadeira, que o gato dela, novo mas já adulto, se engasgava quando tentava comer espinhas, o que não acontecia com todos os outros gatos, que ela e os pais tinham tido ao longo de muitos anos e que tal dificuldade se devia à falta de hábito, pois os gatos actuais já só sabem comer "Whiskas". Ora, esta história engraçada, poderá ser adaptada aos nossos estudantes actuais. Se eles se habituam à utilização exclusiva das novas tecnologias, deixam de saber estudar por manuais, ou consultar gramáticas, dicionários, etc. Portanto, as novas tecnologias têm de ser usadas com conta, peso e medida, para que, em vez de serem um recurso precioso, não passem a ser algo contraproducente.
    De qualquer modo, devemos saber diferenciar o que as novas tecnologias (neste caso os blogues)possuem de bom para facilitar o processo de ensino-aprendizagem e o que possam eventualmente apresentar de pernicioso para uma formação sólida dos nossos alunos a todos os níveis.

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  7. Olá, colega!
    Peço imensa desculpa (será, certamente, problema meu), mas não consigo lobrigar, nem mesmo nas entrelinhas da sua postagem, qual a (não) relação blogues/socialismo! Aliás, não percebo o que entende por "socialismo", mas não essa a questão que aqui se põe.
    Relativamente ao facto de não podermos apostar numa utilização massiva das novas tecnologias no ensino, estamos plenamente de acordo. O facto de algo ser "hype", "trendy" ou "cool" não acarretará, obrigatoriamete, benefícios, seja no âmbito do ensino/aprendizagem, seja noutras vertentes. Mas por que motivo(s) não poderemos nós, professores, tirar partido de um novo modo de estar e de ser na vida?
    Tabuada? Claro! Sublinhados? Certamente! Enciclopédias? Sejam elas utilizadas (olhe que também as há "online", sem ser a "Wikipédia")!
    Não serei uma fanática das chamadas novas tecnologias (tão "novas" que ficam desactualizadas a cada dia que passa). No entanto, elas aí estão e não podemos pedir aos nossos alunos que façam o favor de recuar até ao séc. XIX e regressem embuídos de "socialismo utópico"... Até porque, convenhamos, no séc. XXI não lhes seria muito útil (e é este o século no qual vivem...).
    Os alunos não têm hábitos de leitura, de pesquisa, de reflexão? Não, não têm! E como hão-de ter, se se debatem, no ensino básico, com uma miríade de disciplinas(?)que lhes tomam tempo e lhes furtam o raciocínio? Como poderão lograr levar a bom termo as aprendizagens mínimas necessárias a um prosseguimento de estudos quando as cargas horárias de Português, Matemática, História, Inglês (...) são ridiculamente reduzidas perante a ambição dos Programas Curriculares?
    Debatemo-nos, professores e alunos, com múltiplos problemas, os quais os blogues não podem, decididamente, resolver. Mas quem disse que blogue é sinónimo de panaceia para os problemas que o ensino e a aprendizagem encerram? Ninguém (pelo menos por aqui)!
    Um blogue é uma ferramenta no âmbito do ensino/aprendizagem. No séc. XIX já existiria, por certo. Apenas a nomenclatura, o registo e a rapidez variaram. Felizmente!

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  8. Pedro,
    Já li o teu post mais do que uma vez, mas hoje fi-lo com mais atenção. É uma reflexão que me fez reflectir contigo porque é mesmo como tu dizes.
    Há alguns dias ouvia alguém que dizia: "Já não há crianças a brincar na rua. Apenas se vêem dois irmãos que de vez em quando se juntam com um primo e inventam brincadeiras cá fora!" Referia-se ao espaço exterior à volta de casa.
    O que fazem tantas crianças (filhos únicos, por vezes) enfiadas em casa horas, dias, sempre?!
    Caímos no extremo oposto em relação ao tempo passado. A mudança está a acontecer depressa demais e de forma radical, o que não é saudável nem justo para aqueles que são vítimas do excesso de uso das novas tecnologias.
    Sim, porque são privados de tantas maravilhas, diria que conhecem e olham o mundo inteiro, tal como lhes é apresentado: sempre da mesma perspectiva.
    E fico-me por este comentário, embora haja muitos outros aspectos merecedores de reflexão.

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  9. Eu concordo em termos gerais com o Pedro, no sentido em que o excesso no uso das tecnologias ou a sua sacralização não são bons caminhos, sendo que o equilíbrio saudável que refere será a melhor opção. Estas coisas, contudo, são complexas, e por vezes tendemos a simplificá-las em generalizações que nem sempre têm muito fundamento. Os jovens lêem hoje mais do que nunca leram, a questão é que lêem em suportes e formatos muito diversificados, porque é dessas formas várias que a informação circula no seu tempo. Devemos sem dúvida incentivá-los a ler livros, mas não está nas nossas mãos, nem nas deles, determinar o modo como a informação é criada e distribuída. O mundo mudou, em algumas coisas para pior, em muitas para melhor, e os good old days podem ter-nos deixado boas memórias mas já não voltam.

    A questão é que passámos de um paradigma de escassez de informação para um de abundância. É difícil lidar com tanta informação, aferir da qualidade e validade, estar a par, saber decidir entre as centenas ou milhares de resultados no Google. Como também seria difícil entrarmos numa imensa biblioteca e saber escolher o que nos convinha. O laxismo que refere existe (e olhe que não são só os miúdos, porque podia muito bem estar a falar de alguns dos estudantes que tenho tido em Mestrados), mas o que há muitas vezes é incapacidade para gerir de forma eficiente tanta informação - aí talvez os professores tenham um papel importante, ajudando os alunos a desenvolver essas competências.

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  10. Olá Pedro:)
    Abordas vários aspectos pertinentes na tua refelexão. Sem dúvida que o facto dos nossos alunos perderem o contacto com os nossos livros na sua forma tradicional, livros que por vezes já atravessaram gerações e que encerram, nas suas folhas, histórias para além das histórias...é realmente uma pena!Mas cabe-nos a nós, educadores, o papel de incentivar a sua leitura, o que é tarefa muito difícil. Nos tempos que correm é mais provável que à nossa sugestão de ler um bom livro nos respondam: "Oh professora, há versão PDF?"

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